1.352 semanas
- Malone Rodrigues
- 4 de mai.
- 3 min de leitura

Podemos duvidar da opinião alheia. Podemos ignorar a dica construtiva de um amigo. E, literalmente, não dar ouvidos para alguém que não ocupa nem um posto afetivo em nossas vidas. Mas... e quando é de um médico? E, ainda por cima, ele está dizendo isso enquanto examina os seus exames?
Foi assim que, no início de 2024, em uma consulta de rotina, o gentil médico me disse: — Se você continuar assim, não chegará aos 60. Ou, talvez, com sorte, aos 70.
Enquanto escutava, tentava entender por que ele estava sendo tão deselegante. Tão rude. Grosseiro. Digno das histórias do “Analista de Bagé”. Saí da consulta pensando: 60 ou 70... ainda seria muito tempo. Entrei no elevador sozinho, apertei o botão, e, enquanto o elevador descia, os pensamentos se misturavam em mim.
Na época, eu estava prestes a fazer 33. Sussurrei o número em voz baixa. Confesso que pensar naquele número me levou exatamente à idade em que Jesus morreu. Eita. Jogando por baixo, eu ainda teria 27 anos pela frente. Saí do hospital e me sentei num banco. Eu poderia buscar uma segunda opinião. Talvez o médico estivesse num dia ruim. Talvez os exames precisassem ser refeitos. Era verão, e eu logo viajaria — no mês seguinte faria aniversário. Voltei para casa e coloquei os exames numa gaveta. Sei que, no meu inconsciente, esperava esquecer aquele episódio.
As férias vieram e foram. O verão se foi. Mexendo na gaveta, encontrei os exames e decidi buscar uma segunda opinião. O diagnóstico, embora comunicado de forma afetuosa, foi sério e alarmante. Só que, dessa vez, iniciei, juntamente com minha endocrinologista, um plano. Havia um caminho fácil — e caro —, mas, como sou da área da psicologia, sei que comportamentos precisam de tempo e repetição.
E lá se foi um ano: mudança alimentar, exercícios, descobri a corrida e o jiu-jitsu. Rotinas de sono. Vitaminas. E depois de um ano… os exames estavam ótimos. Sem gordura no fígado. Sem risco de obstrução de artéria coronária. — Agora é só manter — disse ela.
Completei meus 34 anos feliz. Missão cumprida.
Existe uma estátua de um anjo da morte no Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires. Sempre que vou à cidade dos hermanos, passo por lá. O anjo carrega uma foice, mas o detalhe está em suas mãos: ele segura uma ampulheta. É o tempo. Como dizia a expressão latina: tempus edax rerum — o tempo tudo devora.
Existe um termo jurídico para explicar quando algo foi quebrado, mas já não é mais coberto pelo seguro: “desgaste por tempo de uso”.
Sim, jovens. Comecei a ter algumas dores. Primeiro foi uma mancha no rosto. Visita à dermatologista. Minha pele já não era tão forte. Precisava protegê-la do sol da manhã. Nunca gostei de protetor solar ou cremes. Lá estava eu, gastando quase 300 reais em protetores solares e hidratantes.
Depois, os joelhos começaram a doer. Sim, os joelhos. O direito: uma queda enquanto corria. O esquerdo: uma queda no jiu-jitsu. Precisei ficar parado por algumas semanas. Depois de uma consulta com um ortopedista, tive que fazer uma ressonância no joelho. Lá estava eu, deitado, e no teto, uma gravura de um pôr do sol. Na hora, achei tão cafona. Mas é bom ter algo para olhar. Enquanto esperava, sentia medo. Estava sozinho.
Nos momentos mais difíceis, sempre estaremos sozinhos.
Após o exame, me sentei no mesmo banco em que, um ano antes, com raiva e medo, decidi colocar a opinião de um médico grosseiro (e os exames) na gaveta. Dessa vez era diferente. Agora, jogando por baixo, eu ainda teria 26 verões. E, num cálculo rápido, isso ainda me daria 1.352 semanas.
Não é muito.
Só tenho um corpo. E, nessa montanha-russa, compete apenas a mim manter os comportamentos e ações que promovem minha saúde.
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