Ansiedade no Tempo livre
- psicologiainspirar
- 18 de mai.
- 4 min de leitura

Tem gente que sofre com ansiedade de domingo. Eu sofro é com ansiedade de sexta à noite. Melhorou nos últimos tempos, mas ainda acontece. Sinto angústia pela chegada do final de semana – é um efeito colateral da vida contemporânea acelerada, que transforma os seres humanos em criaturas ocupadas 24/7.
Tudo começa com uma certa empolgação infantil: “uhul, final de semana chegou, vou poder estudar, trabalhar, treinar — tempo livre pra fazer o que eu quiser”. Mas logo vem o lembrete de que o fim de semana também traz programações sociais – e junto com elas, aquela sensação incômoda de que “não posso perder tanto tempo sem produzir". É aí que a angústia aparece, quando sábado e domingo se apresentam como interrupção do que eu “deveria fazer”.
Fico torcendo para não ter compromissos sociais à noite. Parece perda de tempo – dormir tarde, beber, jogar conversa fora. Só de pensar já me sinto incomodado. "Vai estragar meu sono", penso. Meus amigos, há meses não vejo. Até o cachorro sofre comigo: passear por uma hora? “Lamento, cãozinho, fica para amanhã.”
O curioso é que, como psicólogo, atendo muitas pessoas que adoecem justamente por não terem tempo livre. Algumas até se orgulham disso. Outras nem se dão conta. Vivem aceleradas e não conseguem reservar espaço para descanso, diversão ou, simplesmente, cuidado de si. Muitos, inclusive, já nem diferenciam um dia útil de um sábado. E, de repente, me vejo em situação parecida.
No “Manual do Homem Ocupado”, funciona assim: primeiro, vem a angústia de estar perdendo algo importante. Depois, a incapacidade de prestar atenção ou sentir prazer no lazer espontâneo. Por fim, a distorção do tempo: as horas voam no trabalho, mas se tornam dolorosamente lentas quando se vive o ócio.
O pior é que não é falta de tempo livre — isso eu tenho, me permito tirar intervalos. O problema é que gasto esses momentos do pior jeito possível: distraído. Celular, telas, mídias sociais. Um tempo perdido que virou “normal”, quando, na verdade, é justamente esse que eu deveria evitar.
Ouvi de alguém próximo que eu "não tiro tempo para os outros". Ouvir isso me doeu... porque é verdade – fico com a sensação de não conseguir equilibrar as coisas. Em minha defesa: eu amo estudar, amo trabalhar. Talvez por isso, eu fique hiperfocado. Só não sei em que momento me perdi do caminho de volta. Mas lembro bem quando comecei a me reencontrar.
Foi numa viagem ao Rio de Janeiro. Saindo do aeroporto, entrei no táxi e, como sempre, puxei o celular para ver WhatsApp e Instagram. Mas algo me parou: “pera aí, tô num lugar novo”. Guardei o celular. Pensei cá comigo “que tal prestar atenção no caminho?” Olhei pela janela. Notei o cenário, a rua, o movimento das pessoas, a conversa divertida do meu pai com o taxista. Me veio um pensamento: "quando foi que eu parei de reparar nas coisas?” E mais: “será que algum dia eu realmente reparei?"
Ao longo da viagem tive outros desses lampejos de consciência. Caminhando no calçadão com minha namorada, conversando com o taxista sobre a favela, provando um doce de sobremesa — logo eu, que não como açúcar. Foram momentos vividos com presença.
Pensando agora, talvez eu estivesse influenciado pelo livro de Contardo Caligaris, que li durante o voo de ida. Ele defendia que o sentido da vida é viver a intensidade do momento presente. Não reside numa ideia transcendente de felicidade – viver bem seria o oposto de uma existência presa em dogmas, crenças ou ilusão de eternidade que nos impeça de desfrutar a vida plenamente aqui e agora. Concordo com ele.
Talvez a maior inteligência seja essa: saber viver bem. E aí percebo que emburreci. Me preocupei em acumular muito conhecimento nos últimos anos, sim. Mas perdi algo da sabedoria de viver. Me perdi de coisas essenciais, como amizades, tempo genuíno à família e ao meu relacionamento.
A moral da história eu já conhecia: a vida não é sobre atingir objetivos e ter sucesso. Isso é bem retratado no clássico da literatura “A Morte de Ivan Ilitch” (1886), de Tolstói. Mas apesar de conhecer, ainda não havia aprendido a lição. Não quero viver só para o futuro, esperando conquistar mais para, enfim, ser feliz. Do que vale isso se não se sabe viver bem?
Estar ao lado de quem eu amo, ter momentos agradáveis, mergulhar no encontro com o outro, desbravar o mundo, conhecer coisas novas, pensar com ideias próprias. Quero resgatar essa parte que perdi.
O tempo para nós é um recurso finito. Não volta. Talvez essa reflexão seja, no fundo, um encontro com minha própria finitude. Meu tempo, assim como o seu, é limitado – e precioso. Como vamos usá-lo? Vivendo plenamente ou nos preparando para ser feliz num dia que nunca chega?
Talvez o tempo livre pese tanto por causa disso: ele é valioso demais. Porque é nele que a gente precisa fazer escolhas sobre como viver bem.



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