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Sentir raiva - é saudável?

Atualizado: 2 de jun.


    Por Rodrigo Paganella, Psicólogo CRP 07/40248
Por Rodrigo Paganella, Psicólogo CRP 07/40248

Aprendemos cedo que a raiva é coisa feia. Gritar, bater a porta, fazer birra — tudo isso é chamado de escândalo, desrespeito, falta de razão. Coisa de gente descontrolada. Na infância, a raiva não é bem-vinda. Então, aprendemos a contê-la. E somos elogiados quando parecemos calmos, comportados, fáceis de lidar.


Durante anos, eu também fui assim. Engolia o que sentia para evitar problema. Aprendi que era melhor parecer tranquilo do que demonstrar incômodo. Mas essa tranquilidade tinha um preço. O que parecia equilíbrio, muitas vezes era silêncio.

O problema não é sentir raiva. O problema é a incapacidade de sentir ela. Muita gente reprime. Outras guardam até explodir. E ambas as formas são tentativas dar cabo de uma emoção que ninguém nos ensinou a lidar.


Vejo isso no consultório todos os dias. Pessoas boas demais, gentis demais, compreensivas demais — e, por trás disso, exaustas. Sem espaço para se incomodar. Sem coragem para dizer: “isso me machuca”, “isso é injusto”, “isso não faz sentido".


A raiva engolida vira tensão, cansaço, ansiedade. Às vezes, a raiva reprimida vira depressão. Mas, no fundo, é só uma emoção tentando nos alertar que algo passou dos limites; algo não é justo.


No meu caso, foi a raiva que me salvou. Não a raiva destrutiva. Mas a que sinaliza: “tem algo errado aqui, e você precisa mudar de direção". Foi ela que me levou à psicologia; fez eu me manter em pé; me defendeu do silenciamento; me deu voz e me fez continuar de cabeça erguida. A raiva, para mim, virou impulso de cuidado. Vontade de ajudar. Vontade de salvar vidas. Vontade de defender direitos humanos e tudo aquilo que importa na vida.


Hoje, quando escuto alguém em sofrimento, escuto também o que está por trás da tristeza, da apatia, da culpa. Muitas vezes, é a raiva silenciada. Raiva esquecida. Raiva que nunca teve espaço para ser sentida. E, quando aprendemos a ouvi-la e direcioná-la, é essa mesma raiva que protege, que ergue limites, que aponta o que precisa mudar.


A raiva não é inimiga da paz — mas um dos caminhos possíveis até ela. A raiva, quando bem usada, é força de vida. Ela não nos separa de quem somos — ela nos devolve. Nos lembra do que importa. Nos mantém íntegros.


Numa sociedade que nos treina para sermos educados, passivos e agradáveis, talvez o gesto mais radical seja aprender a expressar a raiva com "gentileza". Dizer: “isso não é justo". Dizer: “eu não vou me calar diante da maldade”. Dizer: “eu mereço algo melhor”.


A raiva, quando bem direcionada, é o que nos impede de morrer por dentro. É o impulso para o cuidado de si. Talvez esse seja um dos maiores sinais de saúde emocional: não a ausência de raiva, mas a capacidade de senti-la — sem culpa — e de usá-la como força de vida. Sentir raiva é saudável.


Onde está a minha raiva, está a minha luta por um mundo melhor.

 
 
 

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